Sabe aquela ponta de impaciência discreta que, sem querer, surge quando interagimos com alguém mais velho?

É quando a pessoa leva um tempo a mais para processar uma informação, insiste em fazer do "jeito dela" ou simplesmente não acompanha nosso ritmo alucinante.

Pois é. Nessa pressa, esquecemos um detalhe crucial: o tempo é o único recurso que se esgota para todos. Esquecemos que essas pessoas, um dia, tiveram exatamente o mesmo pique, a mesma pressa e a mesma avidez pelo novo que nos move hoje. E, se a vida for gentil, nós estaremos exatamente onde elas estão agora.

Recentemente, vivi uma experiência que me fez enxergar essa dinâmica sob uma luz completamente diferente. A peça central dessa história é um programador de 60 anos. O que aconteceu na reunião foi hilário, mas a reflexão que se seguiu foi profunda e, confesso, um pouco desconfortável sobre meu próprio comportamento.

O "Programador Idoso" e a Impaciência Coletiva

Eu trabalhava em uma empresa onde, além de mim, havia apenas mais um programador na equipe. Nossas stacks eram diferentes, mas fui convocado para uma tarefa inusitada: ajudar a passar as regras de negócio para um desenvolvedor externo contratado para criar um novo módulo. Minha função não seria programar, mas sim ser a ponte de comunicação técnica, já que, ironicamente, ninguém mais na equipe tinha o conhecimento necessário.

Confesso que achei estranho, afinal, meu colega programador estava lá. Antes da reunião, fui conversar com ele para entender o projeto. E foi ali que senti o primeiro arrepio de impaciência no ar.

— Por que você parece tão irritado? — perguntei. — Está havendo algum problema na implementação?

A resposta veio carregada de sarcasmo:

Mano, não dá pra trabalhar com aquele cara. A gente pede uma coisinha simples e ele já solta: “ah, isso é complicado, vou ter que mexer no sistema todo.” Leva dias pra fazer uma atualização e ainda deixa a gente preso naquele programa horroroso que ele mesmo criou.

Curioso, perguntei quem era o desenvolvedor. Ele riu de escárnio:

— Ah, é um cara aí... ele deve ter uns sessenta anos, eu acho rs...

Na hora, achei que era piada. Dei risada, cúmplice:

— Pelo que você está me contando, parece mesmo!

O Espetáculo da Reunião

No dia seguinte, entrei na reunião online pelo Google Meet. Estava empolgado para conhecer o "mito". Quando o vi na tela, tive que me controlar, era realmente um senhor.

Sabe aquele momento em que a vontade de rir é tão grande que você precisa travar a musculatura do rosto? Era esse o meu estado. 😄

A reunião começou, e logo meu colega entrou na sala, com aquela expressão de desgosto que só de olhar para ele, a vontade de rir cresceu ainda mais.

O senhor compartilhou a tela de apresentação do sistema. Eu não podia acreditar: era um sistema legadíssimo, com telas no puro esqueleto do HTML. Minha aflição técnica só aumentava, misturada ao meu divertimento.

A moça do outro departamento, que também tinha lá seus 49 anos, começou a explicar as regras de negócio. O programador, com sua calma infinita, pediu:

— Por gentileza, olha aí do lado direito da sua tela, tá? Quero te mostrar uma coisa.

A moça, nervosa, não conseguia encontrar o que ele pedia.

Meu colega, incapaz de conter a irritação, levantou bruscamente e apontou para a tela dela, quase gritando:

— É aqui, fi! Aqui, o…

A moça interrompeu, sem graça:

— Calma, calma… você não está vendo que eu tenho miopia?

Foi a gota d'água. Olhei para a moça e ela me encarava com a mesma crise de riso engasgada. Levantei da mesa com a desculpa de que não estava me sentindo bem e fui direto para o banheiro. Fechei a porta e desabei em uma crise de riso terrível.

Na minha cabeça, as cenas se repetiam: O senhor de 60 anos, o sistema tosco, a moça com miopia e o colega emburrado. 😂

Fiquei lá por uns 30 minutos, até conseguir me recompor. Voltei, e saímos da reunião com mais dúvidas do que quando entramos.

O Fio da Reflexão

A risada passou, mas a reflexão ficou. Por que, mesmo sem querer, julgamos aquele senhor? Por que o sistema dele ser "feio" ou o ritmo dele ser "lento" nos deu o direito de pensar que éramos superiores?

Será que o único critério para validarmos o conhecimento de alguém é a rapidez na entrega, ou o quão atualizada está a sua stack tecnológica?

Confesso: Eu julguei. Julguei o sistema, o ritmo e, consequentemente, a competência dele, apenas porque ele não se encaixava no meu padrão de urgência e modernidade.

Nossa sociedade valoriza o novo de forma quase cruel. O hype de hoje é o lixo de amanhã. Aplicamos essa mesma lógica, de forma sutil, às pessoas, descartando a experiência acumulada em nome da velocidade crua.

Sabe onde mora o perigo? Na pressa.

A gente esquece o valor de quem já trilhou o caminho só porque anda devagar.

Pensa assim: o bambu cresce rápido e chama atenção, mas o carvalho leva anos pra se firmar e é ele que dá sombra e abrigo por décadas.

O programador de 60 anos é esse carvalho. Pode parecer lento, pode usar métodos “velhos”, mas o sistema que ele construiu ainda tá de pé. E isso não é sorte é experiência.

A pergunta é: Quando for a nossa vez, será que vamos ser os “carvalhos” que a nova geração vai ignorar?

Porque o tempo passa pra todo mundo e, querendo ou não, o nosso “código legado” já começou a ser escrito.

Então, da próxima vez que bater aquela impaciência, respira. A sabedoria demora mesmo pra compilar.

Comentar

or to participate